segunda-feira, 4 de junho de 2012

A opinião de Raúl M. Braga Pires

Na mesma semana em que o Tribunal Penal Internacional condenou Charles Taylor a 50 anos de prisão, o Tribunal Supremo egípcio condenou Hosni Mubarak a prisão perpétua. Este facto não deixa de ser curioso, já que um dos primeiros anúncios que o Egipto pós-Mubarak efectuou ao Mundo, foi o de que o Raíss (Presidente em árabe) seria julgado por um tribunal egípcio, havendo aqui claramente uma necessidade de fazer prova de um amadurecimento político e institucional, para além da mensagem de que os problemas dos egípcios se resolvem no Egipto. O efeito provocado por esta condenação foi de uma ambiguidade espectável, num país confrontado de momento com uma segunda volta eleitoral, onde os candidatos presidenciais representam um incerto futuro islamista com Mohamed Morsy e um passado, que será certamente reciclado, com Ahmed Shafiq, mas que continuará nas mãos dos militares, principal frustração para aqueles que acamparam na Praça Tahrir no início de 2011. Precisamente, o que provocou este regresso em massa a Tahrir, na procura de uma segunda "revolução", não foi a condenação de Mubarak e do seu Ministro do Interior Habib El-Adly, mas o facto de não se terem encontrado os responsáveis para a morte de mais de 900 manifestantes durante os dias mais quentes da "revolução" do ano passado. Ou seja, os condenados a prisão perpétua, foram responsabilizados por não terem conseguido impedir estas mortes, tendo a seu lado sentados no banco dos réus, 6 oficiais superiores da polícia, que sairam ilibados de todo este processo. Outros 2 ilibados foram os filhos de Mubarak, Gamal e Alaa Mubarak, acusados de corrupção, a qual ficou por provar (o pai também foi ilibado no caso da corrupção). Este, aliás, foi uma das críticas efectuadas por todos, a mistura entre homicídio e corrupção no mesmo julgamento. O comportamento do Conselho Superior das Forças Armadas (CSFA), tem-se pautado por isso mesmo, uma no cravo e outra na ferradura. A 12 de Abril, o Parlamento, dominado pelos islamistas, aprovou uma lei na qual impede figuras ligadas ao regime de Mubarak, de concorrerem a cargos públicos. Esta serviu para impedir a candidatura de Omar Suleiman (ex-Chefe dos Serviços Secretos), mas não impediu as candidaturas de Omar Shafiq (último Primeiro-Ministro de Mubarak) e de Amr Mussa (Ministro dos Negócios Estrangeiros, 1991/2001). A 22 de Maio, menos de 24 horas antes da 1ª volta das eleições presidenciais, 5 polícias foram condenados a 10 anos de prisão pela morte de manifestantes em 2011. Há perto de 200 polícias a aguardar julgamento sob a mesma acusação, os quais poderão vir a ser usados consoante o calendário e necessidades de enviar sinais e/ou acalmar a população. A 28 de Maio, 4 dias após as eleições, Zakaria Azmi, Chefe de Gabinete de Mubarak e destacada figura do extinto Partido Nacional Democrata, foi condenado a 7 anos de prisão por peculato e abuso do poder. A 31 de Maio, deixou de estar em vigor o Estado de Emergência que vigorava há 31 anos. Os egípcios, que de novo voltaram às ruas, voltaram também às palavras d'ordem de Janeiro de 2011. Id Wahda, Uma Mão, foi o mote mais ouvido durante o fim-de-semana, num apelo à unidade pela revolução que reconhecem ainda não foi feita e pela limpeza que agora querem no sitema judicial do país. As ruas vão continuar, certamente, a encher-se até à 2ª volta das presidenciais, a 16 e 17 deste mês. O país encontra-se dividido não apenas entre islamistas e defensores do antigo regime, mas também da ala mais laica da população, a qual de acordo com a 1ª volta, representa cerca de 32% (Hamdeen Sabahi, 20.72% e Amr Mussa, 11.13%) dos mais de 23 milhões e meio de votantes. Uma outra divisão ainda, é entre os que estão a favor de um constante e permamente protesto e os outros que já se fartaram de manifestações. Nesse sentido, o que se passa em Tahrir, nem sempre é significativo do sentimento e dos acontecimentos no restante país. Certamente que ganhará a figura que mais próxima estiver da imagem de um revolucionário e da revolução, sendo que não há dúvidas de que no leque das opções, Mohamed Morsy, é o revolucionário. Ex-preso político do regime de Mubarak, pertencente a uma Irmandade Muçulmana permanentemente na clandestinidade e com uma aura de Robin Hood, fruto do seu trabalho social. Mas para tal vai necessitar dos 32% da ala mais laica da população, a qual fez germinar este período de transição, já desde 2004 com o Movimento Kefaya, "Basta" e, que não pode deixar escapar agora o momento. Parece que inclusivamente Mohamed El Baradei já regressou ao Cairo, o que por anedótico que possa parecer, será certamente mais uma figura de peso e prestígio internacional a juntar a uma romaria de laicos, que aproveitará o facto de Morsy estar neste momento e dar tudo para vencer as eleições. Já veio dizer que se for eleito, o julgamento do passado sábado será anulado e que os acusados serão "rejulgados". Muito provavelmente ainda o veremos, fruto das pressões dos laicos, a jurar em público, com a mão direita sobre o Corão, que não obrigará as mulheres a usarem o véu, que não alterará as regras do jogo para os turistas estrangeiros (alcool nos hóteis, restaurantes e indumentária de praia) e que não perseguirá os cristãos coptas, declarados apoiantes de Shafiq e em pânico com a possibilidade de uma maioria, um governo e um Presidente islamistas, apesar de ainda não estarem definidos os poderes deste, nem que sistema de governo terá a Segunda República Egípcia. Ler mais: http://expresso.sapo.pt/maghreb--machrek=s25484#ixzz1wo5gKLhx

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