segunda-feira, 2 de dezembro de 2013
África, no ano de 2013
Por: Jorge Heitor, na revista Além-Mar
As crises no Sahel e na República Centro-Africana, bem como a indefinição das fronteiras entre o Sudão e o Sudão do Sul, são alguns dos mais importantes problemas detectados na África durante estes últimos meses. Tentemos dar aqui um breve quadro de algumas coisas que se estão a passar no continente.
Existe hoje em dia uma nova corrida à África, tal como a que se verificou no fim do século xix. Estradas, caminhos-de-ferro e oleodutos estão a ser construídos ou projectados, para que poderosas entidades, nomeadamente da Europa, das Américas e da Ásia, possam tirar o maior proveito possível das imensas riquezas que deveriam dar uma vida melhor aos povos africanos.
A partir da África Austral, da África Oriental, da África Ocidental e do próprio Corno de África, onde se nota actualmente uma fortíssima presença militar norte-americana, no pequeno Jibuti, antigo território dos Afars e dos Issas, o continente vai ser esventrado, a fim de se procurar que dê muito mais do que já deu nestes últimos 120 anos.
Algumas das novas estradas para o interior vão começar em Angola, esse imenso colosso que se prepara para explorar as terras da República Democrática do Congo, que outrora foi belga e agora poderá ser em certa medida angolano. O objectivo, segundo já foi dito na revista Forbes, é extrair diamantes, cobre e outras preciosidades existentes no Shaba (o velho Katanga, de Moisés Tchombé).
Tudo isto num continente onde muitas das esperanças de 1958 e de 1960 ainda estão por cumprir, sendo porventura necessário aguardar mais algumas décadas até que tal aconteça.
Entre a tragédia e a esperança
A África vive entre a imensa tragédia de terras como a República Centro-Africana e a expectativa de dias bem melhores do que aqueles que foram os dos últimos 50/55 anos. Diz-se que vai ser industrializada e produzir muito mais, mas isso ainda vai demorar uns largos anos.
As Nações Unidas estão a trabalhar numa estratégia integrada para enfrentar as crises no Sahel, onde povos como os da Mauritânia, do Mali e do Níger se mantêm pobres e extremamente dependentes da ajuda da comunidade internacional.
O Conselho de Segurança pediu a todas as instâncias da ONU que elaborem um plano para evitar que o Sahel salte de crise em crise, desde o Sul da Argélia e da Líbia até às terras centro-africanas. E é por isso que o secretário-geral Ban Ki-moon decidiu visitar a região, acompanhado por representantes do Banco Mundial, da União Africana e de outras entidades.
Dezenas de milhões de pessoas da Mauritânia, do Níger, do Mali e de outras terras a sul do Sara sofrem com a irregularidade das chuvas e com as más colheitas, de modo que se torna necessário fazer urgentemente alguma coisa para colmatar o imenso fosso que as separa de quem vive na bacia do Mediterrâneo. Há muita fome na Eritreia, no Burundi, nas Comores, no Sudão, no Chade, na Etiópia, em Madagáscar, na Zâmbia, na Serra Leoa, no Burkina Faso e em tantos outros países africanos. Há um futuro a definir no Sara Ocidental, grande parte do qual se encontra sob administração marroquina; e a depender de um referendo já tantas vezes adiado.
A AQMI comete assassínios
Um grupo associado à Al-Qaeda (A Rede, em árabe) assumiu em Novembro a responsabilidade pelo assassínio de dois jornalistas franceses no Norte do Mali. Combatentes da Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI) leais a Abdelkrim al-Targui, um dos comandantes regionais, disseram que aqueles assassínios foram uma resposta aos «crimes cometidos pela França contra os malianos e às actividades de forças africanas e internacionais contra os muçulmanos de Azawad», que é o nome dado pelos tuaregues ao Norte do Mali.
O ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Laurent Fabius, afirmou na primeira semana de Novembro que o seu país respeitaria o calendário estipulado para a retirada do Mali, apesar de uma recrudescência da violência.
A França enviou tropas para aquela sua antiga colónia em Janeiro de 2013, para combater os elementos que haviam ocupado uma grande parte do país, fazendo temer pela desagregação do mesmo.
A Europa demorara muito tempo a compreender as convulsões que se estavam a verificar no Sara e no Sahel, depois de terem saído de cena os dirigentes autocráticos da Tunísia, da Líbia e do Egipto, territórios onde se nota actualmente uma grande indefinição. Até que Paris decidiu intervir em força, para que o fundamentalismo islâmico não se apossasse do Mali, de onde facilmente passaria para o Senegal, a Gâmbia e a República da Guiné.
A RCA e o Darfur
Entretanto, mais de 200 000 pessoas foram este ano afastadas das suas casas na República Centro-Africana (RCA) e 1,2 milhões vivem ali sem acesso aos serviços mais básicos, numa população total de 4,5 milhões. E a isso há a acrescentar os refugiados do Darfur que lá se acolheram e que estão sem comida, sujeitos a toda a espécie de doenças.
Só na missão católica de Bossangoa havia em Outubro 28 000 pessoas extremamente carenciadas, enquanto outras eram acolhidas em hospitais, escolas e outras infra-estruturas.
O derrube do presidente François Bozizé pelos rebeldes da Seleka e a consequente agitação originaram uma luta religiosa na RCA. Depois do golpe de Março, uma milícia defensiva cristã intitulada anti-balaka tem vindo a enfrentar os islamitas.
O director das operações humanitárias das Nações Unidas, John Ging, já afirmou que se trata de uma situação gravíssima, das piores a que a África tem assistido nos últimos anos.
Os combatentes da Seleka têm assaltado cristãos e em resposta as forças leais a Bozizé começaram a matar muçulmanos, num crescendo de lutas fratricidas. Completamente ao contrário do que seria o desejável diálogo, a título global, entre cristãos e muçulmanos.
A União Africana tem 2100 soldados na RCA, mas as promessas de os aumentar para 3600 não se consubstanciaram. Aqui, como em tantos outros casos, uma coisa são as declarações de princípio e outra, bem diferente, a sua passagem à prática.
Ausência de boa governação
Tudo isto numa altura em que o Prémio Mo Ibrahim da Boa Governação em África ficou uma vez mais por atribuir, por se ter atendido que não havia muitas personalidades no continente que primassem pela excelência na forma como têm conduzido os respectivos povos. Ainda se pensou dá-lo ao queniano Mwai Kibaki, que se retirara de cena há meses, mas logo surgiram as recordações de que a sua reeleição em 2007 fora marcada por violentos conflitos, em que morreram 1200 pessoas.
Até hoje, o importante prémio, criado pelo magnata sudanês das telecomunicações Mo Ibrahim, ainda só foi concedido a três antigos presidentes: Pedro Pires, de Cabo Verde, Festus Mogae, do Botsuana, e Joaquim Chissano, de Moçambique.
É verdade que os níveis de governação estão a melhorar gradualmente na África, mas não o suficiente. O primado do Direito, a oportunidade económica e a livre participação de todos na governação ainda deixam muitas vezes a desejar.
Os conflitos regionais parecem ser hoje em dia menos do que o eram há alguns anos, mas existe muita agitação social dentro de grande parte dos países africanos. Com excepção das Maurícias, ao Botswana, a Cabo Verde, às Seycheles, à África do Sul, à Namíbia e a mais alguns.
Os piores casos de governação encontram-se na Somália, na República Democrática do Congo, na Eritreia, na República Centro-Africana, no Chade, no Zimbabué, na Guiné Equatorial, na Costa do Marfim e na República do Congo, que tem por capital Brazaville.
Os países que mais progrediram nos últimos 13 anos, em termos de governação, foram a Libéria, Angola, a Serra Leoa, o Ruanda e o Burundi, enquanto os que mais pioraram foram Madagáscar, a Eritreia, a Guiné-Bissau, a Somália e a Líbia, onde a queda do coronel Muammar Khadafi deu, como já notámos, origem a um longo período de caos e de incerteza.
O terrível LRA
Por outro lado, depois de um quarto de século de assassínios em massa, o Lord’s Resistance Army (Exército de Resistência do Senhor), liderado pelo ugandês Joseph Kony, continua impunemente a sua actividade, na África Central e Oriental, tendo já escorraçado de suas casas mais de 440 000 pessoas, apesar de, ao que parece, não contar com mais de 500 efectivos. Não visa aparentemente derrubar governos, mas sim pilhar casas, cujos habitantes muitas vezes são mortos.
Por outro lado, o ataque do grupo radical islamita Al-Shabab a um centro comercial queniano e a já referida morte de jornalistas franceses no Mali chamaram a atenção para a ameaça de extremistas que se movem desde as terras do Sara e do Sahel até ao Corno de África e um pouco mais a sul, fazendo temer o pior em países tão diversos como a Argélia, a Tunísia, a Mauritânia, a Nigéria e a Tanzânia.
As crises de segurança fazem-se sentir praticamente em todo o continente africano, a elas não escapando de forma alguma a República Democrática do Congo (RDC), cujos 53 anos de independência têm sido pautados por uma série de rebeliões e por tentativas separatistas, nomeadamente no Sul e no Leste. Nas últimas semanas parece ter-se resolvido a rebelião do grupo M-23, mas nada nos garante que a médio prazo não surjam outros focos de agitação. Oxalá não sejam muitos.
Os casos de Angola e Moçambique
Uma série de inquéritos portugueses a figuras do regime angolano suspeitas de branqueamento de capitais provocou este ano uma crise diplomática entre Luanda e Lisboa, ainda pouco habituadas a viver em pé de igualdade, 38 anos depois da proclamação da independência de Angola pelo MPLA. O presidente José Eduardo dos Santos ameaçou não concretizar a parceria especial que estava prevista e alguns vidros da embaixada de Angola em Portugal foram partidos, num indício claro de que certas feridas custam muito a sarar.
A economia vacilante de Portugal contrasta muito com o forte crescimento económico angolano, pelo que o Governo de Luanda se pode dar ao luxo de fazer uma espécie de chantagem: ou deixam de incomodar generais e outras figuras do regime que procuram fazer negócio em terra portuguesa com dinheiro nem sempre honestamente adquirido ou não será facilitada a vida dos cerca de 150 000 portugueses que decidiram instalar-se em terras de Angola.
O que altas individualidades angolanas pretendem é investir livremente em Portugal, comprar acções e casas e quintas, sem que ninguém lhes pergunte como é que obtiveram o dinheiro, por vezes conseguido à custa de populações escorraçadas das suas terras para que se proceda à exploração mineira ou se ergam grandes condomínios.
Entre aquelas individualidades destacam-se o chefe da Casa de Segurança do presidente José Eduardo dos Santos e o procurador-geral da República, respectivamente Manuel Hélder Vieira Dias Júnior, «Kopelipa», e João Maria Moreira de Sousa.
O descambar à beira do Índico
Entretanto, enquanto as relações luso-angolanas se mantêm tensas, na outra costa, Moçambique vive dias agitados, porque a Renamo, até agora principal força da oposição, pretende partilhar as riquezas existentes, entre as quais a exploração do gás natural. Mesmo sem o potencial de voltar à guerra civil, que cessou em Outubro de 1992, o grupo de Afonso Dhlakhama poderá causar muita agitação, pois que ainda conta com largas centenas de homens armados, que nunca foram devidamente integrados num Exército único, nacional.
Por outro lado, o regime da Frelimo, liderado por Armando Guebuza, mostra-se extremamente corrupto, tendo desperdiçado a tradição de honestidade que fora encetada pelo presidente Samora Machel e a boa governação que o presidente Joaquim Chissano procurou manter e que lhe valeu um prémio internacional, entregue pela Fundação Bo Ibrahim.
A conjugação das ameaças de guerrilha feitas pela Renamo com o descalabro guebuzista destes últimos anos faz com que o panorama se apresente sombrio em Moçambique, país que há uma década até estava com bons indicadores económicos e parecia ser capaz de sair do lote dos menos desenvolvidos. Acreditava-se como que num milagre; mas infelizmente nestes últimos meses as coisas têm vindo a descambar e o ano chega ao fim com uma nota sombria.
A insegurança na capital moçambicana, Maputo, com uma série de raptos, tem levado algumas famílias portuguesas a fazer regressar as crianças a Portugal. O secretário de Estado das Comunidades, José Cesário, falou ao jornal Público de «dezenas de crianças» portuguesas que têm regressado, devido ao aumento da criminalidade.
Jorge Heitor
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