sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014
O último grande sismo português foi há 45 anos
Assinalam-se hoje os 45 anos do sismo de 28 de Fevereiro de 1969. Este sismo ocorreu às 02h40m (TU), com uma magnitude de 8.0 (MW) e epicentro localizado a SW do Cabo de São Vicente, cerca de 230km a SW de Lisboa, podendo ser considerado como o último grande sismo a ocorrer em Portugal Continental, tendo em atenção a conjugação entre a magnitude e os efeitos macrossismicos. Atingiu principalmente a região Sul do país, tendo-lhe sido atribuída uma intensidade máxima VIII (Escala de Mercalli Modificada, 1956) no Algarve e VI-VII na região de Lisboa e noutras localidades do país.
Esta ocorrência provocou alarme e pânico entre a população, cortes na telecomunicações e no fornecimento de energia elétrica. Registaram-se 13 vítimas mortais em Portugal Continental, 2 como consequência direta do sismo, e 11 indiretas. Em Marrocos estão igualmente reportadas algumas vítimas. Foi sentido até 1,300 km do epicentro, particularmente em Bordéus, e nas Canárias.
O sismo teve várias réplicas, tendo a estação WWSSN da Serra do Pilar, Vila Nova de Gaia, registado 47 réplicas entre 28 de Fevereiro e 24 de Março.
O evento foi também sentido em vários navios, principalmente nos que navegavam próximo da zona epicentral, tendo um deles sofrido danos estruturais significativos. Foi ainda gerado um pequeno tsunami que foi observado em diversos marégrafos situados ao longo das costas portuguesas, espanholas e marroquinas, tendo sido registadas amplitudes máximas de 40 cm em Lagos e 45 cm em Cascais.
A rede sísmica nacional que operava na altura tinha uma dimensão bastante reduzida (apenas 3 estações sísmicas e uma estação acelerométrica), tendo este sismo funcionado como factor motivador para um processo de desenvolvimento da mesma, o qual foi feito em diversas etapas até à atualidade.
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
Sudão do Sul: Hospitais estão a ser destruídos, doentes abatidos a tiro
NAIROBI (Thomson Reuters Foundation) – Weak and elderly patients sat and watched helplessly as soldiers rampaged through Malakal Teaching Hospital in South Sudan's main oil-producing region, shooting those who had no money or mobile phones to hand over, survivors recalled.
Malakal, a town on the fringe of Upper Nile state’s oil fields, was attacked by rebels loyal to former Vice President Riek Machar on Feb. 18, triggering three days of fighting – the heaviest since the government and rebels signed a Jan. 23 ceasefire deal.
Since fighting erupted in December, killing thousands and displacing more than 880,000 people across South Sudan, vital medical facilities have been destroyed.
When aid workers from the medical charity Médecins Sans Frontières (MSF) ventured into the hospital in Malakal on Feb. 22, they found much of it had been looted and many of the wards burned.
“MSF teams discovered at least 14 dead bodies throughout the Malakal Teaching Hospital compound, scattered among 50 to 75 patients who remained in the facility, too weak or elderly to flee,” MSF said in a statement on Wednesday.
KILLED IN THEIR BEDS
Seventeen patients were transferred to a hospital on the overcrowded United Nations Mission in South Sudan (UNMISS) base, where more than 20,000 people have been sheltering for weeks, the U.N. said in its latest update.
MSF said 13 of those rescued from Malakal hospital were treated for gunshot wounds.
“Armed groups entered the hospital on Feb. 19 and shot dead people who had no money or mobile phones to hand over,” evacuated survivors told MSF.
“Later that afternoon, armed men returned and killed patients in their beds and others who had fled to the operating theatre for safety… They also reportedly raped women and young girls.”
UNMISS described Malakal as “tense” with signs of looting and burning, and more than 100 bodies strewn in the streets.
“I can find no words to describe the brutality in Malakal, which has left in its wake a ransacked city and a thoroughly traumatised people,” said Carlos Francisco, MSF’s emergency coordinator in Malakal.
The U.N. said aid workers are seeking to transfer 1,700 civilians sheltering in a church to the U.N. base. Other organisations, such as SOS Children’s Village, a charity hosting orphans in Malakal, are also negotiating for space in the crowded camp.
“In previous weeks, we have avoided moving children to UNMISS due to overcrowding. Given the current danger, this now appears to be the safest option,” the charity said.
Agencies are trying to set up another safe location for displaced civilians in Malakal, the U.N. said, but it will only be able to accommodate 5,800 people.
More than 80 aid workers were flown out of Malakal after the firefight subsided, leaving only critical staff on the ground.
On Feb. 24, World Vision reported that fighting had moved to Rom, some 80km north of Malakal, further hindering efforts to reach displaced people hiding along riverbanks and behind shrubs.
DECOMPOSED CORPSES
It is not the first time that hospital patients have been killed, with similar scenes reported in Bor, capital of Jonglei state.
“In early February, MSF staff visited the hospital and discovered the decomposed corpses of a mother and child dumped in the facility’s water tank,” it said.
Probably worst affected is Unity state’s Leer Hospital, which was destroyed in late January. Not a single bed remains in the facility, which was the only secondary healthcare centre for 300,000 people in the area.
MSF’s 240 local staff have fled into the bush with their patients and the town’s population.
“Staff report they are reusing wound dressings and trying desperately to assist the displaced who have grown more ill from drinking dirty river water and from eating water lilies for lack of food,” MSF said.
It said that “countless people” will suffer and likely die for want of medical care.
terça-feira, 25 de fevereiro de 2014
"Revogai a ignorância; a velha lei do Estado!"
“Acendem-se na rua à noite os candeeiros,
Coloca-se um “gendarme” à porta dos banqueiros,
A Polícia fareja os becos e as vielas,
Dobram-se as precauções, dobram-se as sentinelas,
E apesar d’isto tudo há feras pela rua,
O vício não acaba, o roubo continua,
E é cada vez mais a criminalidade.
Pois bem, iluminai por dentro a sociedade.
Ponde o trabalho e a honra onde estiver a esmola,
Uni o amor ao berço e uni o berço à escola,
Acendei uma luz em cada coração.
Dai terra aos camponês que emigra; a emigração
É. como em Portugal presentemente a vejo,
Um esgoto da fome, um cano de despejo
Da miséria. Aboli dois grandes sorvedoiros:
Cadeias-tremedais e hospícios-matadoiros.
Forjai da redenção a esplêndida alvorada,
Libertai a oficina e libertai a enxada.
Fazei o bem, fazei a paz, fazei a glória.
Proclamai a instrução gratuita obrigatória,
Ter direito à ignorância é ter direito ao mal,
Alevantai o povo ao nível da moral,
A escola é para isso a única alavanca.
Vamos! Emancipai a escravatura branca.
E depois de ter dado enfim estas lições,
Podereis suprimir os vossos esquadrões,
Entregar à lavoira os braços dos soldados,
E caminhar na rua à noite, desarmados,
Deixando sem receio a vossa casa aberta;
Um polícia estará continuamente alerta,
Um polícia gratuito, universal, austero,
Vigiando e guardando assim como um cerbero,
Desde o melhor palácio à última choupana;
Esse polícia é Deus – a consciência humana.
Se acaso pretendeis sinceramente dar,
Uma grande lição austera e salutar,
Um exemplo viril e bom que frutifique,
Um exemplo que seja uma barreira, um dique
Ao cancro que nos mata, às lepras que nos mordem,
À fome, à estupidez, aos vícios, à desordem,
então olhai; é este o exemplo imaculado:
Revogai a ignorância; a velha lei do Estado!”
Abílio Guerra Junqueiro, de Freixo de Espada à Cinta
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014
Carta de João Tordo a seu pai, Fernando
O escritor João Tordo publicou no seu blogue uma carta ao pai, o músico Fernando Tordo, que aos 65 anos emigrou para o Brasil. É um testemunho comovente que aqui reproduzimos na íntegra.
Ontem, o meu pai foi-se embora. Não vem e já volta; emigrou para o Recife e deixou este país, onde nasceu e onde viveu durante 65 anos.
A sua reforma seria, por cá, de duzentos e poucos euros, mais uma pequena reforma da Sociedade Portuguesa de Autores que tem servido, durante os últimos anos, para pagar o carro onde se deslocava por Lisboa e para os concertos que foi dando pelo país. Nesses concertos teve salas cheias, meio-cheias e, por vezes, quase vazias; fê-lo sempre (era o seu trabalho) com um sorriso nos lábios e boa disposição, ganhando à bilheteira.
Ontem, quando me deitei, senti-me triste. E, ao mesmo tempo, senti-me feliz. Triste, porque o mais normal é que os filhos emigrem e não os pais (mas talvez Portugal tenha sido capaz, nos últimos anos, de conseguir baralhar essa tendência). Feliz, porque admiro-lhe a coragem de começar outra vez num país que quase desconhece (e onde quase o desconhecem), partindo animado pelas coisas novas que irá encontrar.
Tudo isto são coisas pessoais que não interessam a ninguém, excepto à família do senhor Tordo. Acontece que o meu pai, quer se goste ou não da música que fez, foi uma figura conhecida desde muito novo e, portanto, a sua partida, que ele se limitou a anunciar no Facebook, onde mantinha contacto regular com os amigos e admiradores, acabou por se tornar mediática. E é essa a razão pela qual escrevo: porque, quase sem o querer, li alguns dos comentários à sua partida.
Muita gente se despediu com palavras de encorajamento. Outros, contudo, mandaram-no para Cuba. Ou para a Coreia do Norte. Ou disseram que já devia ter emigrado há muito. Que só faz falta quem cá está. Chamam-lhe palavrões dos duros. Associam-no à política, de que se dissociou activamente há décadas (enquanto lá esteve contribuiu, à sua modesta maneira, com outros músicos, escritores, cineastas e artistas, para a libertação de um povo). E perguntaram o que iria fazer: limpar WC's e cozinhas? Usufruir da reforma dourada? Agarrar um "tacho" proporcionado pelos "amiguinhos"? Houve até um que, com ironia insuspeita, lhe pediu que "deixasse cá a reforma". Os duzentos e tal euros.
Eu entendo o desamor. Sempre o entendi; é natural, ainda mais natural quando vivemos como vivemos e onde vivemos e com as dificuldades por que passamos. O que eu não entendo é o ódio. O meu pai, que é uma pessoa cheia de defeitos como todos nós – e como todos os autores destes singelos insultos –, fez aquilo que lhe restava fazer.
Quer se queira, quer não, ele faz parte da história da música em Portugal. Sozinho, ou com Ary dos Santos, ou para algumas das vozes mais apreciadas do público de hoje – Carminho, Carlos do Carmo, Mariza, são incontáveis – fez alguns dos temas que irão perdurar enquanto nos for permitido ouvir música.
Pouco importa quem é o homem; isso fica reservado para a intimidade de quem o conhece. Eu conheço-o: é um tipo simpático e cheio de humor, que está bem com a vida e que, ontem, partiu com uma mala às costas e uma guitarra na mão, aos 65 anos, cansado deste país onde, mais cedo do que tarde, aqueles que o mandam para Cuba, a Coreia do Norte ou limpar WC's e cozinhas encontrarão, finalmente, a terra prometida: um lugar onde nada restará senão os reality shows da televisão, as telenovelas e a vergonha.
Os nossos governantes têm-se preparado para anunciar, contentíssimos, que a crise acabou, esquecendo-se de dizer tudo o que acabou com ela. A primeira coisa foi a cultura, que é o património de um país. A segunda foi a felicidade, que está ausente dos rostos de quem anda na rua todos os dias. A terceira foi a esperança. E a quarta foi o meu pai, e outros como ele, que se recusam a ser governados por gente que fez tudo para dar cabo deste país - do país que ele, e milhões de pessoas como ele, cheias de defeitos, quiseram construir: um país melhor para os filhos e para os netos. Fracassaram nesse propósito; enganaram-se ao pensarem que podíamos mudar.
Não queremos mudar. Queremos esta miséria, admitimo-la, deixamos passar. E alguns de nós até aí estão para insultar, do conforto dos seus sofás, quem, por não ter trabalho aqui – e precisar de trabalhar para, aos 65 anos, não se transformar num fantasma ou num pedinte – pegou nas malas e numa guitarra e se foi embora.
Ontem, ao deitar-me, imaginei-o dentro do avião, sozinho, a sonhar com o futuro; bem-disposto, com um sorriso nos lábios. Eu vou ter muitas saudades dele, mas sou suspeito. Dói-me saber que, ontem, o meu pai se foi embora.
No P. online.
segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014
Júlio Isidro escreve sobre o direito à felicidade
NÃO, NÃO ESTOU VELHO!!!!!!
NÃO SOU É SUFICIENTEMENTE NOVO PARA JÁ SABER TUDO!
Passaram 40 anos de um sonho chamado Abril.
E lembro-me do texto de Jorge de Sena…. Não quero morrer sem ver a cor da liberdade.
Passaram quatro décadas e de súbito os portugueses ficam a saber, em espanto, que são responsáveis de uma crise e que a têm que pagar…. civilizadamente, ordenadamente, no respeito das regras da democracia, com manifestações próprias das democracias e greves a que têm direito, mas demonstrando sempre o seu elevado espírito cívico, no sofrer e ….calar.
Sou dos que acreditam na invenção desta crise.
Um “directório” algures decidiu que as classes médias estavam a viver acima da média. E de repente verificou-se que todos os países estão a dever dinheiro uns aos outros…. A dívida soberana entrou no nosso vocabulário e invadiu o dia a dia.
Serviu para despedir, cortar salários, regalias/direitos do chamado Estado Social e o valor do trabalho foi diminuído, embora um nosso ministro tenha dito decerto por lapso, que “o trabalho liberta”, frase escrita no portão de entrada de Auschwitz.
Parece que alguém anda à procura de uma solução que se espera não seja final.
Os homens nascem com direito à felicidade e não apenas à estrita e restrita sobrevivência.
Foi perante o espanto dos portugueses que os velhos ficaram com muito menos do seu contrato com o Estado que se comprometia devolver o investimento de uma vida de trabalho. Mas, daqui a 20 anos isto resolve-se.
Agora, os velhos atónitos, repartem o dinheiro entre os medicamentos e a comida.
E ainda tem que dar para ajudar os filhos e netos num exercício de gestão impossível.
A Igreja e tantas instituições de solidariedade fazem diariamente o miagre da multiplicação dos pães.
Morrem mais velhos em solidão, dão por eles pelo cheiro, os passes sociais impedem-nos de sair de casa, suicidam-se mais pessoas, mata-se mais dentro de casa, maridos, mulheres e filhos mancham-se de sangue , 5% dos sem abrigo têm cursos superiores, consta que há cursos superiores de geração espontânea, mas 81.000 licenciados estão desempregados.
Milhares de alunos saem das universidades porque não têm como pagar as propinas, enquanto que muitos desistem de estudar para procurar trabalho.
Há 200.000 novos emigrantes, e o filme “Gaiola Dourada” faz um milhão de espectadores.
Há terras do interior, sem centro de saúde, sem correios e sem finanças, e os festivais de verão estão cheios com bilhetes de centenas de euros.
Há carros topo de gama para sortear e auto-estradas desertas. Na televisão a gente vê gente a fazer sexo explícito e explicitamente a revelar histórias de vida que exaltam a boçalidade.
Há 50.000 trabalhadores rurais que abandonaram os campos, mas há as grandes vitórias da venda de dívida pública a taxas muito mais altas do que outros países intervencionados.
Há romances de ajustes de contas entre políticos e ex-políticos, mas tudo vai acabar em bem...estar para ambas as partes.
Aumentam as mortes por problemas respiratórios consequência de carências alimentares e higiénicas, há enfermeiros a partir entre lágrimas para Inglaterra e Alemanha para ganharem muito mais do que 3 euros à hora, há o romance do senhor Hollande e o enredo do senhor Obama que tudo tem feito para que o SNS americano seja mesmo para todos os americanos. Também ele tem um sonho…
Há a privatização de empresas portuguesas altamente lucrativas e outras que virão a ser lucrativas. Se são e podem vir a ser, porque é que se vendem?
E há a saída à irlandesa quando eu preferia uma…à francesa.
Há muita gente a opinar, alguns escondidos com o rabo de fora.
E aprendemos neologismos como “inconseguimento” e “irrevogável” que quer dizer exactamente o contrário do que está escrito no dicionário.
Mas há os penalties escalpelizados na TV em câmara lenta, muito lenta e muito discutidos, e muita conversa, muita conversa e nós, distraídos.
E agora, já quase todos sabemos que existiu um pintor chamado Miró, nem que seja por via bancária. Surrealista…
Mas há os meninos que têm que ir à escola nas férias para ter pequeno- almoço e almoço.
E as mães que vão ao banco…. alimentar contra a fome , envergonhadamente , matar a fome dos seus meninos.
É por estes meninos com a esperança de dias melhores prometidos para daqui a 20 anos, pelos velhos sem mais 20 anos de esperança de vida e pelos quarentões com a desconfiança de que não mudarão de vida, que eu não quero morrer sem ver a cor de uma nova liberdade.
Júlio Isidro
(na blogosfera; por exemplo, no Ânimo)
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014
Centro de Artes Contemporâneas da Ribeira Grande
A cultura do elefante
Vai ser inaugurado em breve, no meu concelho, Ribeira Grande, um centro
celestial de artes contemporâneas.
É mais um elefante que já nasceu envolvido nas acostumadas trapalhadas
de obras megalómanas, com derrapagens de estarrecer qualquer paquiderme.
Orçamentado em 12 milhões de euros, já vai em não sei quanto de obras a
mais, acrescido da insolvência do empreiteiro continental e dos
sub-empreiteiros locais que ficaram a ver navios.
É uma imitação da Biblioteca de Angra, porque nisto de invejas e
bairrismos, nada como uma justa repartição das coisas do espírito,
apanhando todos pela mesma bitola obreira de santa Engrácia.
Só de pensar que, se aquilo tiver uma dúzia de salas, cada uma custará
mais de 1 milhão!
Presumo que estarão todas pintadas de ouro, daquele derretido em
lingotes nestas prolixas casas manhosas de compra e venda de penhores.
Somos grandes no consolo.
Mas, ali mesmo em frente, há inúmeras famílias pobres que sobrevivem,
sem direito a remuneração complementar, mais preocupadas com a barriga
do que com o espírito.
No Bairro do Bandejo, quando abrirem as portas de casa, hão-de curvar-se
perante imponente novo-riquismo que lhes enfiam pelo quintal dentro.
Ainda bem que o município de Ponta Delgada desistiu de ideia semelhante
(sem que se livre de, antes, pagar grossa fatura a Óscar Niemeyer),
calhando agora à Ribeira Grande, outrora centro industrial de riqueza
reprodutiva, este enorme emplastro de gastos regionais.
Uma região que importa quase 80% dos produtos hortícolas que consome,
acha mais prioritário investir milhões no regalo da vista do que ter a
enxada na mão.
A mesma região que se mostra incompetente para reabrir o Museu Carlos
Machado e incapaz de promover a literatura açoriana e os seus
escritores, vai despender, ainda, mais uns bons milhares para rechear
aquelas amplas salas de mobiliário rococó e mais outro tanto para manter
em permanente atividade os motores do frenesim artístico do burgo.
Já que falamos de surrealismo, sugiro que avancemos então para a compra
da badalada coleção Miró para o espólio do centro de artes contemporâneas.
Os polícias da cultura ficariam mais sossegados e acabava-se com esta
triste novela dos quadros fustigados pelo provinciano vaivém
londrino-alfacinha.
Sim, porque atendendo ao seu custo, o elefante há-de ser alimentado com
a mais elevada finura da 'vernissage' internacional.
Desiludem-se os caros conterrâneos ribeiragrandenses, que já se
imaginavam em romaria intelectual, sobretudo a partir da populosa
vizinha Rabo de Peixe, em direção ao centro de artes para bisbilhotar o
paquiderme, olhando para as doutas exposições como quem olha para um boi.
Aquilo é para nível mais elevado, o que pomposamente costumam chamar de
“turismo cultural”.
Já estou a imaginar as dezenas de autocarros a saírem do terminal de
cruzeiros, nas Portas do Mar, carregados de turistas excitados para
chegarem à Ribeira Grande e contemplarem o admirável mundo novo.
O mais certo é que, lá chegados, ficarão deslumbrados com as artes
fuseiras do pão caseiro, chá da Gorreana e licor de maracujá...
Pelos corredores oníricos do palacete de arte, já sem réstias de odores
da antiga fábrica do álcool, hão-de deambular catrafadas de “boys” e
“girls”, eles próprios lá colocados como símbolos vivos desta nova arte
moderna - que é a política contemporânea – , a política de ir ao nosso
bolso e enganar toda a gente.
Resumindo: a Ribeira Grande, que não foi tida nem achada para o caso,
vai ter que levar nas ventas com mais betão armado e com um filho que
não pediu.
É uma espécie de co-adoção, sem consulta prévia.
Olha, que rica ideia para os políticos: porque não se faz um referendo?
Pico da Pedra, Fevereiro de 2014
Osvaldo Cabral
(Correio dos Açores; Diário Insular; Multimedia RTP-A; Portuguese Times
(EUA); Lusopress Montreal)
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sábado, 8 de fevereiro de 2014
O português de um árbitro de futebol
"O jogador da equipa visitada, Micolli, desmandou-se em velocidade tentando desobstruir-se no intuito de desfeitear o guarda-redes visitante. Um adversário à ilharga procurou desisolá-lo, desacelerando-o com auxílio à utilização indevida dos membros superiores, o que conseguiu. O jogador Micolli procurou destravar-se com recurso a movimentos tendentes à prosecução de uma situação de desaperto mas o adversário não o desagarrava. Quando finalmente atingiu o desimpedimento desenlargando-se, destemperou-se e tentou tirar desforço, amandando-lhe o membro superior direito à zona do externo, felizmente desacertando-lhe. Derivado a esta atitude, demonstrei-lhe a cartolina correspectiva."
Extracto do relatório do árbitro Carlos Xistra relativo à apresentação do cartão amarelo ao jogador Micolli do Benfica.
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014
Carta dolorosa de um jornalista desempregado
Meus amigos
Peço desculpa por não ter respondido a ninguém. Não o fiz por mal.
Nunca me passaria pela cabeça ter que dizer algo de tão pessoal através do Facebook.
Foi um impulso, ou um grito, de alguém que se mostra dilacerado com um conjunto de situações que atingem centenas de milhar de portugueses nesta altura.
Não tive qualquer objectivo e lamento ter tido este impulso, emocional.
No espaço público.
Estive estas horas remetido ao silencio, ajudado por medicação que me foi prescrita para atenuar situações mais difíceis.
E não queria causar toda esta ansiedade aos meus amigos, familiares,conhecidos.
Não tive condições para atender telefonemas, responder a mais e inúmeras mensagens pessoais no Facebook.
Foi um grito, nada mais que isso.
Ninguém pode fazer mais nada que não seja a expressão desta corrente de solidariedade que tenho tido.
Que contrasta com a indiferença e incompreensão que surge, muitas vezes, de onde menos se espera.
Mas faz parte da vida.
Mas superada em boa parte esta alteração no plano emocional, explico-vos com a clareza possível, como aqui cheguei.
Antes de mais queria ressalvar que nunca em momento algum da minha vida, senti necessidade de me dirigir a amigos e conhecidos, com este propósito. Só costumo manifestar o pulsar do meu interior a alguns, poucos, que me conhecem e privam comigo há varios anos. Não faz parte do meu “ADN” expor-me desta maneira, mas julgo que os meus destinatários compreenderão as razões que passarei a explicar. E desde já as minhas desculpas aos que perderão alguns minutos do seu precioso tempo…
No plano pessoal, sou o primeiro a fazer um exercício de critica, auto-critica, muita auto-analise.
Não estou numa postura de autopiedade, nem procuro qualquer autovitimização. Tenho tentado ser o mais racional possível para enfrentar a situação mais difícil de toda a minha vida. E com a coragem necessária, se me permitem salientar este aspecto…
A humildade é necessária. Há que descer ao terreno e enfrentar a dura realidade.
Depois de muito batalhar no plano mais formal e institucional na procura de um posto de trabalho, tive a conselho de muitos, que fazer abordagens mais directas e mais pessoais, ate. Com o meu CV e outros elementos que julguei pudessem ser objecto de analise de possíveis contratantes. Tenho procurado, dicas, comentários ou informações que me ajudem a enfrentar este momento decisivo, incerto, mas também cruel por que estou a atravessar.
Há semanas, em carta dirigida a algumas pessoas, declarei em jeito de pedido: "Basicamente, para ser directo tanto quanto possível, gostava de saber se têm conhecimento de possíveis empresas ou instituições/organismos onde eu possa desenvolver uma actividade profissional. Qualquer que ela seja, excepto na área técnica; não tenho aptidões para fazer trabalhos de construção civil, carpintaria, energia, etc., porque estive durante 25 anos ligado ao jornalismo. Inicialmente, com 19 anos, fui vendedor de publicidade num jornal da cidade".
Foi o jornalismo que abracei em 1987,como estagiário. Jornais, rádios locais da regiãode Setubal e no Algarve enriqueceram-me muito como profissional e como pessoa.
Procurei apostar na minha qualificação, no início dos anos 90, quando cumpri o serviço militar de quase 16 meses. Tirei um curso no CENJOR ; fiz muita pesquisa, li bastante, sempre com o objectivo de aprender mais.
Em 1993, já era correspondente local do “Publico”, consegui entrar para os quadros da então RDP (hoje Radio e Televisão de Portugal). Por mérito próprio, por selecção e a empresa estava a reformar os seus quadros.
Foi um enorme salto nessa progressão de carreira, e na aprendizagem de novos instrumentos de trabalho.
Estive quase 19 anos naquela empresa, que me tratou bem, que apostou no meu trabalho, como no de muitas outras centenas de profissionais.
Agradeço muito a pessoas como o Ricardo Alexandre, o Sena Santos, o Adelino Gomes, e muitas outras pessoas fora da estrutura de Direcção que me incentivaram e reconheceram o meu trabalho.
Deram-me a oportunidade de conhecer o mundo, de me especializar numa determinada área do jornalismo.
Continuo a trazer comigo esse capital de colaboração reciproca.
Sempre numa postura de humildade que procurei para mim mesmo e também demonstrar aos outros.
Um súbito e muito pronunciado agravamento do meu estado de saúde, em finais de 2011, alterou por completo a minha trajectoria, a normal, de qualquer pessoa: vontade de viver a vida como ela é, aproveitar o bom que a vida nos dá, trabalhar, ser responsável por tudo o que me diz respeito.
Escondi-me. Achava que tinha que me preservar e não revelar problemas do foro emocional.
Vivi durante 13 anos com a minha filha, depois de um divórcio muito atribulado.
Foi com e para ela, que reconstruí a minha vida, aos 33 anos.
Reconstrui tudo. Era um profissional bem pago na RDP, tudo que no plano material consegui foi á custa do meu trabalho, de muito esforço, de muitas horas de trabalho.
O que me deu enorme satisfação foi ter tido o retorno dessa dedicação a um Serviço Publico.
Mas eis que no final desse 2011, muito flagelado pela situação que acima referi e completamente incapaz de inverter sozinho essa trajectoria, acabei por rescindir com a empresa, que estava e está a promover programas de rescisão.
Sem medir as reais consequências, acabei por sair, numa muito ilusória e irresponsável “crença” de que o meu cv e capital de experiencia acumulado me abririam rapidamente portas noutros sítios.
As condições revelaram-se outras. Muito mais complicadas. Com a actual crise, muitos jornalistas estão desempregados. Fala-se em centenas.
Nesse inicio de 2012, a situação agravou-se de dia para dia e vi-me confrontado com portas fechadas. Completamente trancadas.
Apercebi-me de que tinha cometido uma enorme asneira.
A desorientação tomou conta de mim, ainda que tivesse procurado como tenho feito até aqui, varias possibilidades de me reenquadrar profissionalmente.
Um quadro que contribuíu para o agravamento do meu problema de saúde.
Fui “in extremis” acompanhado, num quadro de emergência, por pessoal clinico muito competente. Em Abril-Junho de 2012.
Saí dessa fase mais revigorado, disposto a enfrentar a situação que permanece como pano de fundo.
Foi como sair debaixo de uma parte de telhado que não me esmagou mas que era o que restava da passagem de um grande tsunami.
Foi preciso levantar as telhas que me aprisionavam. Sim, foi uma libertação! Total!
Com ajuda de pessoas que muito me estimam e que compreenderam muito bem todo o meu quadro pessoal.
Têm sido muitos os passos dados, têm sido cautelosos, mas ao mesmo tempo temperados por uma nova maneira, mais pragmática de encarar os problemas.
Mas a escassos meses de ficar sem qualquer apoio do Estado, por se esgotar o tempo, em Abril, por se esgotar aquilo que me é subsidiado depois de mais de duas décadas de descontos, estou assustado, não vislumbro uma alteração da situação, muito complicada, como todos devem imaginar, em que se encontra um desempregado, ainda para mais com 46 anos de idade.
É cruel um País que deixou de ter capacidade para gerar politicas que promovam a agregação dos seus trabalhadores mais qualificados, quando por qualquer razão, deixam de ter o posto de trabalho que ocupavam.
Estou há demasiado tempo. Sou uma das centanas de milhar de pessoas que não vislumbram qualquer melhoria na sua condição.
É cruel, é injusto e não há nada a fazer que não seja reivindicar os nossos direitos e denunciar politicas que estão a matar as pessoas!
Ainda assim, no ano passado, estive ocupado com actividades civicas.
Mas não perdi, em termos de competências profissionais, a minha vontade de inverter o desastre em que caí. Porque é de uma questão de sobrevivência e de dignidade que se trata.
Daí ter procurado junto de todos esta ajuda, algumas ideias, dicas, que possam reforçar estas inúmeras tentativas que tenho estado a fazer…
No ano passado regressei ao CENJOR e tirei um curso para formador profissional.
Ao mesmo tempo, estive meses quase completamente concentrado em ajudar a minha mae que tinha perdido o marido. Tem 83 anos, uma saude muito debil e tive que pratocamente soiznho ajuda-la a recuperar do trauma. Quis ir para um Lar da Misericordia, onde tem protecçao, carinho, companhia, está com pessoas que conhece ha muitos anos.
Foi uma obrigaçao moral de um filho que vive mais perto. Nao me foi facil gerir estes problemas todos e ao mesmo tempo apostar na procura diaria e incessante de um posto de trabalho.
Desde o inicio deste ano, fui confrontado com uma situação que se iria colocar a qualquer momento.
Sabia que dentro de pouco meses, deixaria de poder continuar a pagar a minha casa. Honrei sempre os meus compromissos.
Mas, fui confrontado com a possibilidade de alugar o imóvel, caso contrario, teria que haver lugar a dação em pagamento.
Num prazo muito curto dado pela instituição, um mês e meio.
Desencadeei, sozinho, a espinhosa tarefa de me desvincular da minha casa. Retirar tudo. Um processo doloroso, que mexe com as emoções, que nos remete constantemente para a situação em que nos encontramos.
Não procurei ajuda de ninguém, tive ofertas de ajuda em todo esse processo.
Mas concluí agora essa mudança e eis-me novamente numa encruzilhada e mais frágil. Têm sido dois anos de muito empenho e sacrifício para me sentir motivado e sentir-me o melhor possível e manter uma boa relação com as pessoas que estimo, admiro e são importantes.
Já tinha há alguns meses vendido o meu carro, para poder superar outros encargos e honrar todos os compromissos.
Foi apenas uma aspirina, tudo porque no mercado automóvel, existem aqueles que se aproveitam da crise para não aceitar propostas razoáveis de compra.
So espero continuar…
Provavelmente esta minha iniciativa não sera bem vista publicamente, provavelmente terá os seus custos em termos de imagem…
Mas já não me importa muito expor o que realmente se passa.
Não me esconderei mais.
Tento ainda assim respeitar-me e respeitar os outros.
E também estou solidário com todos os que nalgum momento das suas vidas possam precisar de apoio moral e no que for preciso.
Peço desde já desculpa por vos estar a maçar com isto.
Um grande abraço a tod@s!
Luís Nascimento
Fevereiro 2014.
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