sexta-feira, 22 de maio de 2015

Auf wiedersehen, Berlin!

Ao som de música russa, sento-me no sofá grande da sala; e sei que ali em frente alguém dança Hamlet. Tenho calor. Desaperto mais um dos botões da camisa. Tento fazer o mesmo ao cinto e vejo os turbantes dos árabes que porventura entraram agora em cena. O cão de pelo negro, encaracolado, dorme a meus pés. O gato repoisa no sofá ao lado. E a conversa agora é numa das línguas da antiga Jugoslávia. Aperta o calor. Sinto que a refeição me ficou pesada, mas também estou demasiado cheio para ir passear até ao parque. Peço ao cigano mais próximo que toque para mim, enquanto as jovens pioneiras cantam as marchas. Surge no ambiente o som de uma flauta; e com isto se interrompe a cena. Dia e meio depois, um parque, um relvado, à beira de um lago. Um sol esplendoroso. Ruído de helicóptero na paisagem. Árvores verde-escuras da Prússia. O creme de bronzear a derreter-se na cara. O velho, cheio de varizes, que coxeia. O cão que não quer ir até à água. Pachorrentamente deitado junto da bicicleta. Um parto difícil no centro da capital. Um homem que dá corda ao seu realejo. Um bar cheio de fumo. A voz de Sinatra. Um parque nocturno. As sombras que passeiam. Volkspark. Grunewald. Os marcos de um descanso berlinense. O pai que brinca com a filha. O suor que escorre pelo rosto. Os corpos desnudos. As bombas que rebentam. Jugoslavos e turcos trabalham na cidade. Os carros blindados continuam a passar. Intensifica-se o som de um helicóptero. Surgem bandas na avenida. Ladra um cão. É o tempo berlinense. A saudade de uma Prússia perdida. Bitte Schön. Danke Schön. O Tédio. Jorge Máximo Heitor, Agosto de 1973

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