Uma das mais catastróficas decisões deste ano de 2014 foi a admissão de pleno
direito, na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), da Guiné
Equatorial, país onde nem sequer um décimo da população fala português e onde,
ainda por cima, se atropelam os mais elementares direitos humanos.
Jorge
Heitor
O homem forte da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo,
conseguiu o seu intento de ser admitido como membro de pleno direito da
Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), durante uma cimeira realizada
no mês de Julho em Timor-Leste. Mas não deixa de forma alguma de ser considerado
por muitos dos seus compatriotas um autêntico ditador. A população daquela
antiga colónia espanhola na África Ocidental e a oposição democrática da mesma
têm desejado insistentemente que Teodoro Obiang se retire e acabe, de forma
pacífica, com 46 anos de terror que por ali se têm vivido, primeiro com um tio
seu, Francisco Macías Nguema, e depois com ele. Actualmente, é mesmo um dos
seus filhos, Teodoro Nguema Obiang Mangue, conhecido por Teodorin, que tenta
arrancar-lhe a sucessão na continuidade, para que tudo continue dentro da
família, por mais de meio século. Semanas depois da sua longa visita a
Timor-Leste, lá esteve Teodoro Obiang na Casa Branca, em Washington, nos dias 5
e 6 de Agosto, para uma cimeira entre os Estados Unidos e a África. Uma vez
mais, as instâncias internacionais abriram as portas a um ditador, pessoa que
mantém na penúria 80 por cento dos seus compatriotas. As antigas potências
colonizadoras, em grande parte europeias, têm permitido que homens como o
Presidente da Guiné Equatorial continuem à frente dos seus países, porque isso
as ajuda a permanecerem activas em território africano, explorando os seus
recursos ou concretizando por lá grandes negócios. Raramente os interesses
económicos das antigas potências coloniais têm sido compatíveis com os
interesses económicos e humanos dos povos africanos, que em grande parte não
vivem muito melhor ao serem administrados por filhos seus do que o eram há 57 ou
60 anos, quando por lá tinham governadores britânicos, franceses, belgas,
portugueses ou espanhóis. Pessoas como Teodoro Obiang travam o desejo de
liberdade, de direitos humanos, de democracia e de desenvolvimento que existe na
população africana, como aliás na de outros continentes. Travam esse desejo para
benefício próprio e de grandes interesses externos, que tanto podem ter a sua
sede nos Estados Unidos como no Reino Unido, na França, na Rússia ou na
China. A Administração Obama, a União Europeia e a CPLP, entre outras
instâncias, nunca deveriam pactuar com dirigentes que permanecem 30 ou 40 anos à
frente dos respectivos povos, impedindo que muitos deles estejam ainda longe de
concretizar os sonhos de independência e de vida melhor que tiveram em meados do
século passado.
________________________________________ Com mão de
ferro
Teodoro Obiang Nguema governa com mão de ferro desde 1979, o mesmo
ano em que chegou ao poder o angolano José Eduardo dos Santos e um ano antes da
proclamação da independência do Zimbabwe, que de imediato ficou refém de Robert
Gabriel Mugabe. Desde há muito que estas três pessoas já deveriam ter passado à
reforma. Constantemente, Teodoro Obiang tem sido acusado de violações dos
direitos humanos, de torturas e do assassínio de adversários, muitas vezes
depois da passagem por cadeias que funcionam dentro dos próprios
aquartelamentos, numa subordinação da Justiça ao poder militar. Ao seu
primogénito, Teodorin, nomeou ele segundo vice-presidente, cargo que nem sequer
existe na Constituição; mas legalidade é coisa com que raramente se tem
importado, antes fazendo tudo de forma despótica, o que já lhe valeu a fama de
ser um dos mais ricos e arbitrários chefes de Estado que há no continente
africano. A Guiné Equatorial poderá ser muito bem o país da África com maior
rendimento per capita, equivalente ao do Kuwait, mas isso só é possível por o
petróleo ser muito e a população pouca, não excedendo os 700 000 habitantes,
pois que pelo menos 200 mil já se viram constrangidos a ir viver para o
estrangeiro. Nos últimos anos, graças às receitas do petróleo, o país entrou
numa espiral de construção de obras públicas que se mostram muito atractivas
para empresas de Portugal e do Brasil, de onde o fechar de olhos a que a Guiné
Equatorial não reúna de forma alguma as condições para ser de pleno direito o
nono membro efectivo da CPLP. Francisco Macías, o ditador derrubado por seu
sobrinho Teodoro Obiang em 1979, causou a morte de milhares de adversários,
encerrou roças de café e cacau, algumas das quais tinham sido propriedade de
portugueses, e chegou a proibir a pesca. Mas o actual Presidente, que já então
com ele colaborava, não se revelou uma pessoa muito melhor, só que talvez tenha
tido mais tacto para se promover internacionalmente. Teodoro Obiang era o
principal responsável militar da ilha de Bioko (outrora Fernando Pó), uma das
componentes do todo que é a Guiné Equatorial, situada entre os Camarões, São
Tomé e Príncipe e o Gabão. Várias vezes temos lido que o pequeno país vive
paralisado pelo medo, a que se juntam a ignorância e a pobreza. Havendo
petróleo, deixou de se dar qualquer importância à agricultura, pelo que a
população hoje em dia já não lavra os campos como outrora.
Uma campanha
vã
Ao longo dos anos, muita gente em Portugal foi travando o desejo da
Guiné Equatorial de passar de observador a membro de pleno direito da CPLP,
explicando aos governantes que se tratava de um país onde não se falava
correntemente português e onde se desrespeitavam os direitos humanos, mas ao fim
e ao cabo toda essa campanha de esclarecimento foi em vão. Prevaleceram os
interesses das grandes empresas que querem fazer negócios com Teodoro Obiang e
os interesses do Brasil, de Angola e de Timor-Leste, muito mais interessados em
petróleo do que em valores éticos. Nas últimas eleições legislativas, o
Partido Democrático da Guiné Equatorial (PDGE), no poder, ganhou 99 dos 100
deputados, o que diz bem que se trata de uma ditadura muito mal disfarçada, com
o alibi de estarem autorizadas diferentes forças políticas. Tudo no papel, como
o é a introdução do português como terceira língua oficial, depois do espanhol e
do francês. Um dos obstáculos que existia à adesão à CPLP era a existência da
pena de morte, mas para o ultrapassar foi decretada uma moratória. Nos tempos
mais próximos, mais ninguém será executado na Guiné Equatorial, pelo menos
oficialmente. Depois, logo se verá. É assim que funciona o sistema.
O
lavar da imagem
Verdadeiramente obcecado com o lavar da sua imagem, o
ditador tem pago a lobbies e a personalidades de diferentes países para que
consiga ser aceite em grandes instituições internacionais, tem patrocinado
prémios da UNESCO e de outras entidades, tem criado universidades no
estrangeiro, quando na própria Guiné Equatorial não existem boas instituições de
ensino. O que ele agora faria muito bem, segundo alguns dos seus
compatriotas, seria patrocinar uma Cimeira Africana da Saúde, de modo a combater
de forma eficaz o Ébola que está a matar tanta gente na Libéria, na Serra Leoa,
na Nigéria e na República Democrática do Congo, ameaçando alastrar a outros
territórios. Se Teodoro Obiang reservasse os anos que lhe restam a aplicar o
muito dinheiro indevidamente acumulado pela sua família no combate às endemias e
às pandemias da África, talvez os povos lhe conseguissem perdoar o muito mal que
tem feito ao seu próprio povo. Se destinasse a sua fortuna de multimilionário
a minorar o sofrimento de tanta gente nas Guinés, na Somália, na Eritreia e na
região dos Grandes Lagos, entre outros rincões africanos, conseguiria finalmente
redimir-se; e, quem sabe, ser perdoado por tanta arbitrariedade a que tem
presidido. Os 11 anos em que colaborou com os crimes de Macías e as décadas
que depois protagonizou como senhor todo poderoso da Guiné Equatorial só
poderiam ser devidamente "lavados, ou perdoados, se, de súbito, mudasse
radicalmente de atitude e servisse humildemente uma África que continua no pódio
do sofrimento humano.
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