segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Guiné Equatorial: um grande equívoco

Uma das mais catastróficas decisões deste ano de 2014 foi a admissão de pleno direito, na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), da Guiné Equatorial, país onde nem sequer um décimo da população fala português e onde, ainda por cima, se atropelam os mais elementares direitos humanos.

Jorge Heitor

O homem forte da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, conseguiu o seu intento de ser admitido como membro de pleno direito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), durante uma cimeira realizada no mês de Julho em Timor-Leste. Mas não deixa de forma alguma de ser considerado por muitos dos seus compatriotas um autêntico ditador.
A população daquela antiga colónia espanhola na África Ocidental e a oposição democrática da mesma têm desejado insistentemente que Teodoro Obiang se retire e acabe, de forma pacífica, com 46 anos de terror que por ali se têm vivido, primeiro com um tio seu, Francisco Macías Nguema, e depois com ele.
Actualmente, é mesmo um dos seus filhos, Teodoro Nguema Obiang Mangue, conhecido por Teodorin, que tenta arrancar-lhe a sucessão na continuidade, para que tudo continue dentro da família, por mais de meio século.
Semanas depois da sua longa visita a Timor-Leste, lá esteve Teodoro Obiang na Casa Branca, em Washington, nos dias 5 e 6 de Agosto, para uma cimeira entre os Estados Unidos e a África. Uma vez mais, as instâncias internacionais abriram as portas a um ditador, pessoa que mantém na penúria 80 por cento dos seus compatriotas.
As antigas potências colonizadoras, em grande parte europeias, têm permitido que homens como o Presidente da Guiné Equatorial continuem à frente dos seus países, porque isso as ajuda a permanecerem activas em território africano, explorando os seus recursos ou concretizando por lá grandes negócios.
Raramente os interesses económicos das antigas potências coloniais têm sido compatíveis com os interesses económicos e humanos dos povos africanos, que em grande parte não vivem muito melhor ao serem administrados por filhos seus do que o eram há 57 ou 60 anos, quando por lá tinham governadores britânicos, franceses, belgas, portugueses ou espanhóis.
Pessoas como Teodoro Obiang travam o desejo de liberdade, de direitos humanos, de democracia e de desenvolvimento que existe na população africana, como aliás na de outros continentes. Travam esse desejo para benefício próprio e de grandes interesses externos, que tanto podem ter a sua sede nos Estados Unidos como no Reino Unido, na França, na Rússia ou na China.
A Administração Obama, a União Europeia e a CPLP, entre outras instâncias, nunca deveriam pactuar com dirigentes que permanecem 30 ou 40 anos à frente dos respectivos povos, impedindo que muitos deles estejam ainda longe de concretizar os sonhos de independência e de vida melhor que tiveram em meados do século passado.

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Com mão de ferro

Teodoro Obiang Nguema governa com mão de ferro desde 1979, o mesmo ano em que chegou ao poder o angolano José Eduardo dos Santos e um ano antes da proclamação da independência do Zimbabwe, que de imediato ficou refém de Robert Gabriel Mugabe. Desde há muito que estas três pessoas já deveriam ter passado à reforma.
Constantemente, Teodoro Obiang tem sido acusado de violações dos direitos humanos, de torturas e do assassínio de adversários, muitas vezes depois da passagem por cadeias que funcionam dentro dos próprios aquartelamentos, numa subordinação da Justiça ao poder militar.
Ao seu primogénito, Teodorin, nomeou ele segundo vice-presidente, cargo que nem sequer existe na Constituição; mas legalidade é coisa com que raramente se tem importado, antes fazendo tudo de forma despótica, o que já lhe valeu a fama de ser um dos mais ricos e arbitrários chefes de Estado que há no continente africano.
A Guiné Equatorial poderá ser muito bem o país da África com maior rendimento per capita, equivalente ao do Kuwait, mas isso só é possível por o petróleo ser muito e a população pouca, não excedendo os 700 000 habitantes, pois que pelo menos 200 mil já se viram constrangidos a ir viver para o estrangeiro.
Nos últimos anos, graças às receitas do petróleo, o país entrou numa espiral de construção de obras públicas que se mostram muito atractivas para empresas de Portugal e do Brasil, de onde o fechar de olhos a que a Guiné Equatorial não reúna de forma alguma as condições para ser de pleno direito o nono membro efectivo da CPLP.
Francisco Macías, o ditador derrubado por seu sobrinho Teodoro Obiang em 1979, causou a morte de milhares de adversários, encerrou roças de café e cacau, algumas das quais tinham sido propriedade de portugueses, e chegou a proibir a pesca. Mas o actual Presidente, que já então com ele colaborava, não se revelou uma pessoa muito melhor, só que talvez tenha tido mais tacto para se promover internacionalmente.
Teodoro Obiang era o principal responsável militar da ilha de Bioko (outrora Fernando Pó), uma das componentes do todo que é a Guiné Equatorial, situada entre os Camarões, São Tomé e Príncipe e o Gabão.
Várias vezes temos lido que o pequeno país vive paralisado pelo medo, a que se juntam a ignorância e a pobreza. Havendo petróleo, deixou de se dar qualquer importância à agricultura, pelo que a população hoje em dia já não lavra os campos como outrora.

Uma campanha vã

Ao longo dos anos, muita gente em Portugal foi travando o desejo da Guiné Equatorial de passar de observador a membro de pleno direito da CPLP, explicando aos governantes que se tratava de um país onde não se falava correntemente português e onde se desrespeitavam os direitos humanos, mas ao fim e ao cabo toda essa campanha de esclarecimento foi em vão. Prevaleceram os interesses das grandes empresas que querem fazer negócios com Teodoro Obiang e os interesses do Brasil, de Angola e de Timor-Leste, muito mais interessados em petróleo do que em valores éticos.
Nas últimas eleições legislativas, o Partido Democrático da Guiné Equatorial (PDGE), no poder, ganhou 99 dos 100 deputados, o que diz bem que se trata de uma ditadura muito mal disfarçada, com o alibi de estarem autorizadas diferentes forças políticas. Tudo no papel, como o é a introdução do português como terceira língua oficial, depois do espanhol e do francês.
Um dos obstáculos que existia à adesão à CPLP era a existência da pena de morte, mas para o ultrapassar foi decretada uma moratória. Nos tempos mais próximos, mais ninguém será executado na Guiné Equatorial, pelo menos oficialmente. Depois, logo se verá.  É assim que funciona o sistema.

O lavar da imagem

Verdadeiramente obcecado com o lavar da sua imagem, o ditador tem pago a lobbies e a personalidades de diferentes países para que consiga ser aceite em grandes instituições internacionais, tem patrocinado prémios da UNESCO e de outras entidades, tem criado universidades no estrangeiro, quando na própria Guiné Equatorial não existem boas instituições de ensino.
O que ele agora faria muito bem, segundo alguns dos seus compatriotas, seria patrocinar uma Cimeira Africana da Saúde, de modo a combater de forma eficaz o Ébola que está a matar tanta gente na Libéria, na Serra Leoa, na Nigéria e na República Democrática do Congo, ameaçando alastrar a outros territórios.
Se Teodoro Obiang reservasse os anos que lhe restam a aplicar o muito dinheiro indevidamente acumulado pela sua família no combate às endemias e às pandemias da África, talvez os povos lhe conseguissem perdoar o muito mal que tem feito ao seu próprio povo.
Se destinasse a sua fortuna de multimilionário a minorar o sofrimento de tanta gente nas Guinés, na Somália, na Eritreia e na região dos Grandes Lagos, entre outros rincões africanos, conseguiria finalmente redimir-se; e, quem sabe, ser perdoado por tanta arbitrariedade a que tem presidido.
Os 11 anos em que colaborou com os crimes de Macías e as décadas que depois protagonizou como senhor todo poderoso da Guiné Equatorial só poderiam ser devidamente "lavados, ou perdoados, se, de súbito, mudasse radicalmente de atitude e servisse humildemente uma África que continua no pódio do sofrimento humano.
(Este artigo vai ser publicado em Outubro de 2014 pela revista comboniana Além-Mar, que o solicitou)
 
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