domingo, 8 de abril de 2012

Uma opinião sobre Azawad

Raúl Braga Pires, no Expresso

O dia 06 de Abril de 2012 ficará nos anais da História do Povo Kel Tamashek, literalmente "Os Livres", como preferem ser chamados, já que Tuaregue significa "Abandonados pelos Deuses", sendo um termo também popularizado e vulgarizado pelo colonizador francês.

Foi este o dia em que o Movimento Nacional de Libertação de Azawad (MNLA), declarou unilateralmente a independência do novo Estado de Azawad, vulgo norte do Mali, mas que na verdade são cerca de ¾ da totalidade do território.

Apesar da comunidade internacional já ter dito que não reconhece esta declaração de autodeterminação, há razões para acreditar que a mesma terá consequências que levarão no mínimo a uma autonomia alargada desta zona do território maliano.

Em primeiro lugar O MNLA conseguiu federar a esmagadora maioria das tendências tuaregues, aquando da sua formação em Junho de 2011, antecipando já a inevitável queda do regime do Coronel Muammar Kadhafi. Por outro lado, estas várias tendências, de forma organizada, já tiveram 6 rondas de negociações desde o final dos anos 80, até à data, com o Mali, a propósito da independência/autonomia de Azawad, sob mediação argelina. Todas falharam. É normal que de momento tenham tomado a decisão do "agora é que é" e que estejam dispostos a tudo para tal.

Em segundo lugar, é do interesse de estados como a Argélia, o Níger, a Líbia e o Burkina Faso, que as ambições territoriais dos tuaregues se fique por Azawad, já que a "Grande Tuaregolândia" iria reclamar partes consideráveis dos territórios destes países, sobretudo da Argélia, a qual a prazo se verá a braços com uma natural revanche berbére actualmente em lume brando na Líbia. O Níger não deverá querer ver as suas reservas de urânio juntarem-se às que aparentemente foram recentemente descobertas no norte do Mali.

Em terceiro lugar, o domínio sobre a maior parte do território do Mali, demonstra bem o quão armados e organizados está este grupo, o que certamente será uma vantagem negocial. Mais em jeito de afirmação e de tranquilização, do que de bluff, já vieram dizer que não têm intenções de descer sobre a capital Bamako, dando um sinal claro de que se quisessem, o fariam nas calmas.

Em quarto lugar, o MNLA, é laico e nada quer ter a ver com o Islão redentor e prosélito de um outro grupo de tuaregues, manietado pela Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI), o Ansar Edine, liderado por Iyad ag Ghaly, que chegou a ser guarda pessoal do Coronel Kadhafi e que em 1994 após uma passagem pela Arábia Saudita, se transformou em pio muçulmano. Foi precisamente o laico MNLA que se assumiu no dia anterior à declaração de independência, como único grupo credivel e capaz de combater o AQMI nesta zona porosa do Sahel, pelo que a comunidade internacional terá provavelmente muito mais a ganhar em estar ao lado destes tuaregues legitimos, matriarcais e sincréticos, do que em combatê-los.

Naturalmente que o outro lado da moeda, a preocupação da comunidade internacional, apresenta o levantar de um precedente para a região, a qual há um ano atrás se debatia com uma Costa do Marfim quase a partir-se ao meio na ressaca da eleição de Alassana Ouattara como Presidente, actualmente com um norte da Nigéria dominado por um Boko Haram com ambições a Califado, um Sahara Ocidental quase consensualmente integrado no restante Marrocos mas que a qualquer momento se poderá rebelar de novo, já para não falar novamente na questão amazigh/berbére, que dará certamente que falar ainda este ano, na tão discreta Argélia.

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